Sunday 17 July 2022

A protecção do Património Cultural e Natural de Macau

Homenagem ao  Arq. Francisco Figueira

Jorge Morbey

 

O lento despertar para a protecção do Património Cultural e Natural de Macau teve início nos anos 50 do século XX.

Por despacho do governador Marques Esparteiro, de 10 de Dezembro de 1953, foi nomeada uma Comissão para classificar os “monumentos nacionais e imóveis de interesse público e bem assim todos os elementos no conjunto de valor arqueológico, histórico, artístico ou paisagístico, existente na Província”.

Em 10 de Setembro de 1960, o governador Jaime Silvério Marques nomeou uma nova Comissão para “estudar e propôr as medidas adequadas à defesa e valorização do património artístico e histórico da Província”.

Em 4 de Maio de 1974, o governador Nobre de Carvalho nomeou novo grupo de trabalho “encarregado de classificar, estudar e propôr a valorização e a conservação do património artístico da Província”.

Desta vez emergiu uma atitude dinâmica e de horizontes mais alargados. O Arq. Francisco Figueira chegara a Macau no ano anterior e imprimia uma nova visão às questões da defesa do Património Cultural e Natural de Macau. Para além das igrejas e das fortificações, propunha-se  a conservação de ruas, praças, jardins, percursos, bairros – ainda que modestos – mas com o valor das referências colectivas que caracterizam Macau como ponto de encontro das culturas chinesa e portuguesa.

A salvação do jardim Lou Lim Ioc e a sua fruição pela população de Macau, desde 28 de Setembro de 1974, foi o primeiro marco na protecção do Património Cultural e Natural de Macau. E o Decreto-Lei n.º 34/76/M, de 7 de Agosto, foi o primeio instrumento legal criado para a defesa desse mesmo património. Durante os oito anos da sua vigência, esse diploma legal foi a coluna vertebral da política de  defesa do património de valor excepcional existente em Macau, “importando indistintamente a todos os [seus] habitantes”. Foi ele que, pela primeira vez fixou e classificou os bens integrantes do património cultural e natural de Macau e instituiu, com carácter permanente, a Comissão de Defesa do Património Arquitectónico, Urbanístico e Cultural como órgão especializado para a execução dessa política.

Ainda nesse mesmo ano de 1976, teve início a recuperação do conjunto de casas da Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, ao Tap Seac, construídas no início do Século XX. A preservação do património não pode ficar apenas na sua recuperação. É condição essencial, para a sua manutenção em bom estado, a sua reutilização. Para tanto, nesses edifícios foram instalados vários serviços públicos.

A sociedade  civil de Macau despertava organizando um Seminário, em Janeiro de 1981. O projecto de uma Associação para a Conservação do Ambiente (ACA) corporizou-se numa minuta de estatutos.

Na sequência de iniciativas anteriores, em Abril de 1981, realizou-se em Macau um seminário com a participação de um grupo de trabalho da The Pacific Asia Travel Association (PATA) que integrava técnicos superiores do United States National Trust, de que resultou um relatório de grande qualidade e interesse, especialmente orientado para o estudo do correcto equilíbrio entre o Turismo e a defesa do Ambiente.

Duas importantes vitórias do movimento preservacionista surpreenderam toda a gente, pela participação activa de centenas de pessoas. Encheram-se os jornais de artigos e cartas dos leitores, organizaram-se livros de assinaturas e alertaram-se as autoridades. Tratava-se da defesa do Largo do Senado e da preservação do Bairro de S. Lázaro que, felizmente, são hoje motivo de orgulho dos residentes de Macau e tema fotográfico incontornável dos que nos visitam.

A empatia entre a população de Macau e a defesa do seu Património Cultural e Natural crescia a olhos vistos. Em Novembro de 1981, a Comissão de Defesa do Património organizou uma grande exposição de fotografias, diapositivos e a exibição de um filme que pretendeu tornar bem conhecidos da população os objectivos da política de defesa do Património Cultural e Natural de Macau. Instalada no interior de um dos edifícios anteriormente recuperados e aberta ao público durante uma semana, a exposição foi visitada por uma verdadeira multidão.

Os trabalhos de recuperação dos edifícios da Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, ao Tap Seac, que tiveram início em 1976, foram submetidos ao Concurso Anual da The Pacific Asia Travel Association (PATA). Em Fevereiro de 1982, foi atribuído a Macau o mais importante dos prémios em disputa.

A Primeira Semana do Património Cultural, que incluiu trabalhos de crianças sobre o Património,  ocorreu em Junho de 1982 com grande e estimulante participação do público e dos participantes nos concursos de fotografia e de cartazes.

Nem tudo foram rosas. Um crescimento urbano algo caótico e a demolição de vários edifícios relevantes, contra o parecer da Comissão de Defesa do Património, constituíram, em geral, perdas irreparáveis para o Património Arquitectónico  e Paisagístico de Macau que não pôde contar com a clarividência do poder político então vigente para se opôr à pressão de interesses imobiliários, muitas vezes mais orientados para a especulação imobiliária do que para o real desenvolvimento da cidade e das ilhas.

Aqueles que se lembram das tecnologias de comunicação disponíveis na década de setenta do Século XX, sem internet, e contando apenas com informação dispersa em publicações especializadas - que muitas vezes não chegavam aqui ou chegavam com atraso significativo - têm de orgulhar-se do enorme trabalho e da dedicação sem limites ao património cultural e natural de Macau. Trabalho e dedicação assumidos com alegria, entusiasmo e amor por Macau pelo Arquitecto Francisco Figueira. Presto-lhe aqui uma sentida homenagem e manifesto vivamente o desejo de ver o seu nome figurar na toponímia da cidade e das ilhas.

Macau, 17 de Março de 2011 

Monday 4 July 2022

Relações Internacionais novíssimas: sobre a visita de Estado de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola (2019)

 

Jorge Morbey
Entre outros resultados, as visitas de Estado decorrem dentro dos limites da amenidade quepropiciou a sua calendarização por acordo entre as partes: visitados e visitantes.Tolerâncias de ponto, bandeiras, cartazes, etc., fazem parte da parafernália festiva que os governosanfitriões colocam à disposição do seu Povo, para festejar os visitantes.Aos serviços de protocolo que acompanham a visita, compete o cuidado protocolar de não permitirrelaxamento, dos horários previamente fixados que ponham em risco cumprimento doprograma, previamente concebido e acordado. E os serviços de segurança, de visitantes e visitados,não se devem preocupar somente com as ameaças de bomba, ou outro tipo de atentados, mastambém com o cumprimento das regras básicas de segurança, por toda a comitiva visitante, e,principalmente, pelo seu peso simbólico, pelo seu líder.As Viagens de Soberania aos territórios ultramarinos, iniciadas pelo Príncipe D. Luís Filipe, filho de D.Carlos e da Raínha D. Amélia, e prosseguidas pelo General Carmona, revestiam-se de aparatosemelhante ao das Visitas de Estado.Em 1954, na visita de Craveiro Lopes a S. Tomé e Príncipe, devido à deterioração dos alimentos, porinsuficncia de capacidade de refrigerãoinício do banquete de honra, no Pacio doGovernador, sofreu enorme atraso. Ainda estava a sopa a ser servida, quando soou o despertadorde bolso do Dr. João de Mendonça, do Protocolo do MNE e proprietário da roça Boa Entrada, em S.Tomé. Hirto e de dedos entrelaçados como anzóis sobre o peito, alertava o Chefe de Estado quechegara ao fim o tempo previsto para a refeição festiva e pomposa. Recebeu o zeloso diplomataordem de que cessava ali mesmo as funções que desempenhava na viagem presidencial. E eramandado regressar imediatamente a Lisboa.No mesmo ano, a seguir, Craveiro Lopes visitou Angola. À chegada a Luanda, prestadas as honrasmilitares, seguiu-se o cortejo para a entrega das chaves da cidade ao Presidente da República, nosPaços do Concelho. As autoridades locais fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que seregistasse o mais amplo e caloroso apoio popular ao Chefe de Estado. A sessão solene na CâmaraMunicipal de Luanda tinha terminado a meio da manhã. Por volta das quatro da tarde, da caixaaberta de uma camioneta de carga, estacionada no trajecto percorrido pelo cortejo presidencial,nessa manhã, ouvia-se um coro de vozes desgastadas pelo calor e pelo cansaço: CA–MO–NA, CA-MO–NA, CA-MO-NA... O respectivo cabo de sipaios não sabia, desde antes da passagem do cortejo,do Chefe do Posto Administrativo de onde viera aquela deputação para a recepção ao Presidente daRepública..Carmona, de seu nome completo, António Óscar de Fragoso Carmona, antecedeuFrancisco Higino Craveiro Lopes na Presidência da República. Falecera em 18 de Abril de 1951...Ambos morreram no posto de Marechal.A primeira visita de Estado ao Brasil foi equacionada para Junho de 1908. Residiam no Brasil doismilhões de portugueses. O Regicídio (1 de Fevereiro de 1908) inviabilizou-a. Com a aproximação dadata do Centenário da Independência do Brasil (7 de Setembro de 1922), intensificou-se o desejo dopaís irmão em receber o Chefe de Estado de Portugal. O convite formal do Presidente do Brasil, Dr.Epitácio Pessoa, chegou às mãos do Presidente da República, Dr. António José de Almeida, ainda nodecurso do ano de 1921.
 
A 6 de Julho desse ano, foi escolhido o navio “Porto”para transportar o Chefe de Estado e comitivaao Brasil, no ano seguinte. Era o antigo navio alemão Prinz Heinrich. Um dos 72 navios alemãesapresados em Portugal, durante a guerra de 14/18, a pedido da Inglaterra, o que valeu a Portugal adeclaração de guerra dos alemães.Era um navio velho, cheio de mazelas, a pedir reformas e a precisar de ser adaptado às suaspróximas funções. Tinha sido construído em 1894.Da sua “folhde serviços”consttransporte do SoldadDesconhecido, dos campode batalhaeuropeus para o Mosteiro da Batalha.A um mês e dois dias do Centenário da Independência do Brasil, o Governo despertou para aurgência de se efectuarem as reparações de que o navio “Porto” necessitava.Entrara-se já no mês de Agosto de 1922 e os Metalúrgicos estavam em greve. Contrataram-se outrosoperários e era preciso marcar o dia da partida, sem que houvesse a mínima ideia do que era precisofazer e de quando estariam concluídas as reparações.Os festejos tinham início em 7 de Setembro, no Brasil. Decidiu-se o embarque para 20 de Agosto,adiou-se para 22, depois para 24 e, por fim, a 26.O “Porto”, logo após sair da barra de Lisboa, deu sinais de avaria. Foi necessário demandar asCanárias. A viagem prosseguiu com sucessivas avarias e paragens.A entrada na baía da Guanabara deu-se no dia 17 de Setembro de 1922. Dez dias após a data doCentenário da Independência. Quando as representações dos outros países retiravam ou já tinhamretirado...Estes episódios, e outros mais, tiveram origem em motivos alheios à vontade dos Chefes de Estadoque neles se envolveram.Novidade, nas relações internacionais de Portugal, é o actual Presidente da República Portuguesa.Em visita a um País Amigo e Irmão, foi o responsável por atrasos injustificáveis, apenas porque lheapeteceu: ir fora do veículo, de porta aberta, “com um pé no estribo e o outro não sei onde”,segundo afirmou o próprio!!! Duas horas para percorrer 10 Km e que “estragaram o programa”, comoreconheceu o próprio...É lícito a um Chefe de Estado, em visita de Estado a um País Amigo, fazer o que lhe apetece, aindaque transgredindo e coagindo o motorista, da viatura colocada ao seu serviço, a transgredir asnormas de circulação automóvel em vigor?Pode um Chefe de Estado, em visita de Estado a um País Amigo, conhecedor do programa erespectivos horários, só porque lhe apetece, borrifar-se nos programas, nos horários, nas normasprotocolares e de segurança?Travessuras em idade serôdia poderão ser indício de Alzheimer?