A protecção do Património Cultural e Natural de Macau
Homenagem ao Arq. Francisco Figueira
Jorge Morbey
O lento despertar para a protecção do Património Cultural e Natural de
Macau teve início nos anos 50 do século XX.
Por despacho do governador Marques Esparteiro, de 10 de Dezembro de 1953,
foi nomeada uma Comissão para classificar os “monumentos nacionais e imóveis de
interesse público e bem assim todos os elementos no conjunto de valor
arqueológico, histórico, artístico ou paisagístico, existente na Província”.
Em 10 de Setembro de 1960, o governador Jaime Silvério Marques nomeou uma
nova Comissão para “estudar e propôr as medidas adequadas à defesa e
valorização do património artístico e histórico da Província”.
Em 4 de Maio de 1974, o governador Nobre de Carvalho nomeou novo grupo de
trabalho “encarregado de classificar, estudar e propôr a valorização e a
conservação do património artístico da Província”.
Desta vez emergiu uma atitude dinâmica e de horizontes mais alargados. O
Arq. Francisco Figueira chegara a Macau no ano anterior e imprimia uma nova
visão às questões da defesa do Património Cultural e Natural de Macau. Para
além das igrejas e das fortificações, propunha-se a conservação de ruas, praças, jardins,
percursos, bairros – ainda que modestos – mas com o valor das referências
colectivas que caracterizam Macau como ponto de encontro das culturas chinesa e
portuguesa.
A salvação do jardim Lou Lim Ioc e a sua fruição pela população de Macau,
desde 28 de Setembro de 1974, foi o primeiro marco na protecção do Património
Cultural e Natural de Macau. E o Decreto-Lei n.º 34/76/M, de 7 de Agosto, foi o
primeio instrumento legal criado para a defesa desse mesmo património. Durante
os oito anos da sua vigência, esse diploma legal foi a coluna vertebral da
política de defesa do património de
valor excepcional existente em Macau, “importando indistintamente a todos os
[seus] habitantes”. Foi ele que, pela primeira vez fixou e classificou os bens
integrantes do património cultural e natural de Macau e instituiu, com carácter
permanente, a Comissão de Defesa do Património Arquitectónico, Urbanístico e
Cultural como órgão especializado para a execução dessa política.
Ainda nesse mesmo ano de 1976, teve início a recuperação do conjunto de
casas da Avenida Conselheiro Ferreira de Almeida, ao Tap Seac, construídas no
início do Século XX. A preservação do património não pode ficar apenas na sua
recuperação. É condição essencial, para a sua manutenção em bom estado, a sua
reutilização. Para tanto, nesses edifícios foram instalados vários serviços
públicos.
A sociedade civil de Macau
despertava organizando um Seminário, em Janeiro de 1981. O projecto de uma
Associação para a Conservação do Ambiente (ACA) corporizou-se numa minuta de
estatutos.
Na sequência de iniciativas anteriores, em Abril de 1981, realizou-se em
Macau um seminário com a participação de um grupo de trabalho da The Pacific
Asia Travel Association (PATA) que integrava técnicos superiores do United
States National Trust, de que resultou um relatório de grande qualidade e
interesse, especialmente orientado para o estudo do correcto equilíbrio entre o
Turismo e a defesa do Ambiente.
Duas importantes vitórias do movimento preservacionista surpreenderam toda
a gente, pela participação activa de centenas de pessoas. Encheram-se os
jornais de artigos e cartas dos leitores, organizaram-se livros de assinaturas
e alertaram-se as autoridades. Tratava-se da defesa do Largo do Senado e da
preservação do Bairro de S. Lázaro que, felizmente, são hoje motivo de orgulho
dos residentes de Macau e tema fotográfico incontornável dos que nos visitam.
A empatia entre a população de Macau e a defesa do seu Património Cultural
e Natural crescia a olhos vistos. Em Novembro de 1981, a Comissão de Defesa do
Património organizou uma grande exposição de fotografias, diapositivos e a
exibição de um filme que pretendeu tornar bem conhecidos da população os
objectivos da política de defesa do Património Cultural e Natural de Macau.
Instalada no interior de um dos edifícios anteriormente recuperados e aberta ao
público durante uma semana, a exposição foi visitada por uma verdadeira multidão.
Os trabalhos de recuperação dos edifícios da Avenida Conselheiro Ferreira
de Almeida, ao Tap Seac, que tiveram início em 1976, foram submetidos ao
Concurso Anual da The Pacific Asia Travel Association (PATA). Em Fevereiro de
1982, foi atribuído a Macau o mais importante dos prémios em disputa.
A Primeira Semana do Património Cultural, que incluiu trabalhos de crianças
sobre o Património, ocorreu em Junho de
1982 com grande e estimulante participação do público e dos participantes nos
concursos de fotografia e de cartazes.
Nem tudo foram rosas. Um crescimento urbano algo caótico e a demolição de
vários edifícios relevantes, contra o parecer da Comissão de Defesa do
Património, constituíram, em geral, perdas irreparáveis para o Património
Arquitectónico e Paisagístico de Macau
que não pôde contar com a clarividência do poder político então vigente para se
opôr à pressão de interesses imobiliários, muitas vezes mais orientados para a
especulação imobiliária do que para o real desenvolvimento da cidade e das
ilhas.
Aqueles que se lembram das tecnologias de comunicação disponíveis na década
de setenta do Século XX, sem internet, e contando apenas com informação
dispersa em publicações especializadas - que muitas vezes não chegavam aqui ou
chegavam com atraso significativo - têm de orgulhar-se do enorme trabalho e da
dedicação sem limites ao património cultural e natural de Macau. Trabalho e
dedicação assumidos com alegria, entusiasmo e amor por Macau pelo Arquitecto
Francisco Figueira. Presto-lhe aqui uma sentida homenagem e manifesto vivamente
o desejo de ver o seu nome figurar na toponímia da cidade e das ilhas.
Macau, 17 de Março de 2011