UNIVERSIDADE DE S. JOSÉ
Conferência: A Lusofonia entre Encruzilhadas Culturais
Macau 24 e 25 de Fevereiro de 2011
OS EXCLUÍDOS DA LUSOFONIA:
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente
Jorge Morbey
Sumário:
1. Carta Aberta ao Presidente Eleito da República Portuguesa, Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, de 23 de
Janeiro de 2006
Janeiro de 2006
2. O que é a Lusofonia
3. O fenómeno colonial
4. O Oriente Português
5. A identidade colectiva das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente
6. A eminente dignidade da pessoa humana e das suas expressões culturais
7. As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente: Portugal, a Universidade de S. José, a CPLP.
1. Carta Aberta ao Presidente Eleito da República Portuguesa, Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva, de 23 de Janeiro de 2006
Senhor Presidente,
Acaba Vossa Excelência de ser eleito Presidente da República Portuguesa. Felicito-o e faço os melhores votos de que o desempenho de Vossa Excelência contribua efectivamente para o sucesso de Portugal e dos Portugueses.
Em carta dirigida às Portuguesas e Portugueses da Diáspora, datada de 16 de Janeiro de 2006, Vossa Excelência prometeu criar uma assessoria política para as Comunidades Portuguesas no âmbito dos serviços da Presidência da República.
De entre todos os Portugueses, desejo referir a Vossa Excelência os mais esquecidos ou - melhor dizendo – as excluídas Comunidades Crioulas Lusófonas do Oriente.
A Carta Aberta concluía assim:
Senhor Presidente,
No cumprimento da promessa de Vossa Excelência, na carta acima referida, de criar uma assessoria política para as Comunidades Portuguesas no âmbito dos serviços da Presidência da República, venho sugerir-lhe vivamente a inclusão das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente!
Bem haja!
Jorge Morbey
A Carta Aberta foi publicada no jornal Ponto Final, de Macau. Um exemplar dela foi enviado para o endereço electrónico dos serviços de candidatura de Cavaco Silva à Presidência da República, gentilmente cedido pelo mandatário local do candidato.
Decorridos cinco anos – todo um longo mandato presidencial ! -, nunca se soube de qualquer reacção do Presidente. Eleito e, novamente, reeleito.
O silêncio ensurdecedor - pelo desinteresse demonstrado - encorajou-me a apresentar-vos aqui as reflexões contidas nessa Carta Aberta. Porque as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente estão abandonadas há séculos nas Encruzilhadas Culturais da Lusofonia.
2. O que é a Lusofonia
A Lusofonia como, aliás, a Francofonia, a Hispanofonia e a Anglofonia, são espaços que radicam no fenómeno colonial. Assentam no uso da língua do ex-colonizador como cimento aglutinador. No interior das antigas colónias; nas relações entre elas; e com as metrópoles do passado.
Em tais espaços, procura-se decantar a História de episódios de força e opressão; transformar em amigos anteriores inimigos; substituir a violência pretérita pelo diálogo; suprir a antiga exploração pela moderna cooperação.
Ao contrário das teses que sustentam que tais espaços existem para manter o espírito colonial, parece que no seu estádio actual eles serão pouco mais do que áreas de catarse ou expiação.
E não parece que possam ir mais além, pelos fortes compromissos existentes entre os ex-países colonizadores, no seio da União Europeia. Compromissos que inviabilizam irremediavelmente a sua participação plena em qualquer outra “Comunidade de Povos”. O Acordo de Shengen inviabiliza qualquer expectativa de livre circulação de cidadãos das antigas colónias no território das antigas metrópoles. Apesar de pertencerem à mesma comunidade linguística – anglófona, francófona hispanófona ou lusófona.
3. O fenómeno colonial
O fenómeno colonial, na sua formulação pura e dura, consistiu na validação entre as potências coloniais dos seus interesses de exploração em África. Formalmente assumida no Acto Geral da Conferência de Berlim, em 1885. Aí, muito antes de Shengen, Portugal viu-se forçado a aderir ao discurso europeu. A ocupação efectiva dos territórios africanos vinha ao arrepio da sua própria tradição e muito para além da sua capacidade económica, social e militar.
O anticolonialismo do Século XX e a descolonização foi um facto sem precedentes na História da Expansão Europeia. Centrou-se no objectivo impreterível de reconquista da Soberania pelos povos colonizados.
O Século XIX assistira à secessão das colónias americanas dos respectivos países ibéricos. O Século XVIII assistira à independência das colónias inglesas da América do Norte. À excepção do Canadá. Para aí se deslocaram os colonos que preferiram manter-se leais à Coroa Britânica. Ficaram conhecidos por United Empire Loyalists.
A independência das colónias americanas foi um fenómeno "sui generis". Os respectivos territórios não foram restituídos aos seus povos originários. Foram entregues aos europeus e seus descendentes que aí se tinham estabelecido.
A descolonização dos Séculos XVIII e XIX constituiu, portanto, o resultado da secessão de interesses em conflito. Que opunham europeus geograficamente separados pelo Atlântico. Mas unidos pela mesma cultura e pela mesma língua.
O Século XVII tinha sido a época de consolidação de uma nova ordem europeia no domínio do Mundo. O seu exclusivo, ditado em Tordesilhas, deixou de pertencer aos países ibéricos. Foi derrubado e substituído por holandeses, ingleses e franceses, em várias partes.
A abertura dos mares à navegação de outros países europeus, resultou da acção da Reforma iniciada com Martim Lutero. Reforma que levou ao esvaziamento do poder central europeu pela autoridade pontifícia romana que vigorava desde a queda do Império Romano.
4. O Oriente Português
A hegemonia portuguesa no Índico e no Pacífico durou perto de um século. Foi profundamente abalada com a chegada em força dos Holandeses àqueles mares.
A transferência de domínios territoriais entre países europeus – principalmente de Portugal católico para a Holanda protestante, - constituiu o pano de fundo em que emergiram as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente.
Com a substituição da dominação portuguesa pela holandesa - permanecendo nas terras que as viram nascer; deportadas para outras paragens; ou forçadas à emigração - as cristandades mestiças euro-asiáticas do Oriente talharam a identidade colectiva de cada uma que perdurou até aos nossos dias e que assenta em dois pilares principais: a religião católica e a língua crioula.
A religião católica fora trazida pelos portugueses. Directamente de Portugal ou através de Goa – a Roma do Oriente. Convertidos ou nascidos nela, com ela haviam de morrer. Geração após geração. Euro-asiáticos. Étnica ou culturalmente ligados a Portugal. Pelo sangue e pela religião. “Cristão” e “Português” são ainda sinónimos em muitas partes da Ásia. Nomeadamente, no seio das Cristandades Crioulas Lusófonas e entre os povos não cristãos vizinhos.
A sua língua – o crioulo - era a língua portuguesa. Na formulação que lhe garantira o estatuto de língua franca no litoral da Ásia e da Oceania. Desde o Século XVI até à sua substituição pelo inglês, no Século XIX.
Holandeses, ingleses, dinamarqueses e franceses não podiam prescindir de um “língoa” [intérprete] a bordo para poderem comerciar nos portos do Oriente. Na língua que era - nada mais, nada menos – aquela que as Cristandades Crioulas Lusófonas falavam e, muitas delas, ainda falam.
Tratados, contra os interesses portugueses na Ásia, foram firmados entre representantes desses países europeus e poderes locais, nessa mesma língua. Por ser a única a que os europeus podiam recorrer para comunicar no Oriente.
5. A identidade colectiva das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente
A identidade colectiva das Cristandades Crioulas Lusófonas cimentou-se em grande parte na adversidade. O conflito religioso nascido na Europa, entre católicos e protestantes, ramificou-se por todas as paragens do Oriente onde o poderio holandês se firmou.
A profanação e a destruição de igrejas e mosteiros; a expulsão dos padres; a proibição de qualquer acto de culto católico; as deportações maciças; a redução de muitos à condição de escravos, compeliram os membros dessas cristandades à clandestinidade e à emigração: Macau, Índia, Insulíndia, Sião e Indochina foram os destinos principais.
Muitos teimavam em ficar. Escondidos em suas casas ou refugiados nas florestas. Celebravam como podiam os actos de culto. Sem padres e sem igrejas, organizaram-se em irmandades clandestinas. Ao fim de décadas, produziram fenómenos de cristalização cultural, de natureza religiosa e linguística. Isso impediria, mais tarde, a sua plena integração nas paróquias católicas criadas posteriormente pelos ingleses. Tais irmandades permaneceram até aos nossos dias. Conservam determinadas prerrogativas que limitam a autoridade dos párocos. E tornam-se visíveis em algumas celebrações onde os padres se limitam à Eucaristia e à Confissão dos fiéis. Em tudo o mais, quem manda é a Irmandade.
À medida que a dominação holandesa foi sendo substituída pela inglesa, as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente foram ficando menos oprimidas. Em vários casos, as próprias autoridades coloniais britânicas tomaram a iniciativa de lhes proporcionar padres portugueses.
Perdida a confiança que a Santa Sé depositara desde o Século XV em Sua Magestade Fidelíssima o Rei de Portugal - após o corte das relações diplomáticas por iniciativa do Governo liberal, em 1833; e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834 - o Padroado Português do Oriente sofreu um golpe mortal. Na Índia, no Sri-Lanka, no Sudeste Asiático, na China e na Oceania.
Permanecendo - os que podiam - os missionários do Padroado não seriam substituídos pelos seus confrades. O clero secular de Goa, numeroso e bem preparado, acorria em socorro das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente que iam ficando sem religiosos. Quase sempre em vão. Os missionários da Propaganda Fidae e das Missions Étrangères de Paris já as ocupavam e os respectivos vigários apostólicos impediam-lhes o exercício do seu múnus. A expansão missionária francesa no Oriente começara ainda no século XVII.
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, gente simples e temente a Deus, mantidas na ignorância dos conflitos entre Portugal e a Santa Sé, lutaram anos sem fim contra as novas autoridades eclesiásticas. Conflituavam abertamente com elas. Consideravam-nas gente estrangeira. Durante décadas pagaram por isso o elevado preço de lhes serem recusados os sacramentos. Só esporadicamente os recebiam. Quando aportava um navio com um sacerdote, ainda que espanhol. Clamaram sempre pelo envio de clero. De Portugal, de Goa ou de Macau. Em vão.
A firme identidade das Cristandades Crioulas Lusófonas, ainda hoje, evita o casamento dos seus membros com indivídos exteriores a elas. Preferem que os futuros cônjuges dos seus filhos provenham do seu seio ou de outras Cristandades. Ainda que distantes. Quando assim não acontece e o casamento une um membro seu a um não cristão, a regra é a conversão deste à religião católica e a aprendizagem da língua crioula.
Algumas das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente disfrutam de um status que as valoriza nos países onde vivem. Outras, porém, são socialmente desqualificadas. Os seus membros são depreciativamente designados por “negros”. Apesar da côr mais clara - da pele, do cabelo e dos olhos - relativamente aos naturais com outras origens étnicas.
A nível individual, nos países onde se encontram, podem encontrar-se membros originários destas Cristandades nos mais elevados estratos da sociedade: do mundo da política à actividade empresarial próspera; nas mais elevadas funções da hierarquia eclesiástica ou simples párocos de aldeia. Onde se verifique a existência de muitos destes cristãos no clero católico, pode concluir-se pela existência de intensa discriminação de que são objecto. No acesso ao ensino público e ao mercado de trabalho. Público e privado. Em regra, dedicam-se a actividades modestas. São pequenos proprietários, simples trabalhadores agrícolas ou pescadores.
Embora omitindo algumas que se acrescentam entre parêntesis, Leite de Vasconcelos, em 1901, como ensina Baltasar Lopes da Silva no seu “Dialecto Crioulo de Cabo Verde”, estabeleceu um quadro do que chamou “dialectos ultramarinos do português”:
Em África: Cabo Verde, Guiné-Bissau, S. Tomé, Príncipe e Ano Bom.
No Oriente: Diu, Damão, Mangalor, Cananor, Mahé, Cochim, [Bombaim e Negapatão], na Índia; Batticaloa, Trincomalee e Puttalam, no Sri Lanka; Macau [Hong Kong e Xangai onde se extinguiu em 1949/50], na China; Java [Tugu e Brestagi], próximo de Jacarta, na Indonésia; Malaca [Alor Star, Penang, Perak, Kuala Lumpur, Seremban e Johor Baru] na Malásia; e em Singapura.
Mas, para além do inventário de Leite de Vasconcelos, a língua crioula falou-se também nas Cristandades Crioulas Lusófonas da Tailândia – Ayutia e, posteriormente, Bangkok - até aos anos 50 do Século XX. Aí permanecem vocábulos de uso corrente no relacionamento familiar e nas práticas da religião católica. Na Indonésia, além de Java, fala-se crioulo na ilha das Flores [Larantuka e Sikka], nas ilhas de Ternate e Tidore e em Bali. Em Timor [Lifau e Bidau]. No Bangladesh, até aos anos 20 do século XX, era muito viva a presença da língua crioula nas Cristandades locais - Chittagong e Dhaka. Numa breve passagem em Dhaka, em 1998, pude certificar-me da existência de vocabulário crioulo entre os católicos locais.
A pequena cristandade lusófona de Korlai [junto a Chaúl], na Índia, somente em 1982 seria revelada ao Mundo pelo etnólogo romeno Laurentiu Theban. O seu crioulo é designado por Kristi.
Entre as Cristandades Crioulas da Birmânia – Myanmar já não se fala crioulo. Ao contrário das demais, perderam os próprios nomes e apelidos cristãos. Mas permanecem fiéis à religião católica.
6. A eminente dignidade da pessoa humana e das suas expressões culturais
A independência das antigas colónias portuguesas de África restituiu aos seus povos o direito de decidirem sobre as suas línguas nacionais. Em todas elas o português foi adoptado como língua oficial. Ao mesmo tempo, reconheceu-se a expontânea dignidade das línguas maternas dos seus povos.
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, substituído o domínio português, permaneceram sob domínio colonial europeu que as hostilizava ou, pelo menos, não dignificava. Assim permaneceram até à independência dos países em que se encontram, onde constituem minorias com reputação variável em cada um deles. Por naturais razões de unidade do Estado, esses países mantiveram como língua oficial o inglês – a língua do último colonizador – e privilegiam as suas línguas como línguas nacionais.
O poder colonial inglês não descolonizou as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, no sentido de restituir dignidade à sua identidade, de que a língua crioula faz parte integrante, o que, aliás, não era de esperar. Nem é de esperar que os poderes pós-coloniais de motu proprio venham a dedicar-lhes a atenção a que têm direito.
A incapacidade de Portugal nesta matéria é uma evidência secular. Filha da ignorância e do preconceito, como atestam alguns exemplos que se registam de seguida e que ocorreram num intervalo de tempo pluri-secular.
1. O Bispo de Macau, D. Alexandre Pedrosa Guimarães, em carta ao Rei D. José I, de 22 de Dezembro de 1774, refere que as mulheres macaenses “falam uma linguagem, que é mistura de todos os idiomas e gírias, imperceptível aos que não são criados no país, por culpa dos maridos e pais de família, que há dois séculos não cuidaram em introduzir o idioma português correcto, sobre o que vou trabalhando, por ser esta coisa aquela em que cuidam todas as nações em seus domínios”.
2. José Joaquim Lopes de Lima, oficial de marinha e administrador colonial - governador de Timor que cedeu a ilha das Flores aos holandeses -, no seu “Ensaios sobre a Statistica das Possessões Portuguesas no Ultramar..” (1844) dá uma pequena amostra da desconsideração e desrespeito nutrido em relação às Cristandades Crioulas e à língua por elas falada. No que respeita ao Crioulo de Cabo Verde, classificava-o de gíria ridícula, composto monstruoso de antigo Portuguez, e das Linguas de Guiné, que aquelle povo tanto présa, e os mesmos brancos se comprazem a imitar.
3. Em 1988, na qualidade de Presidente do Instituto Cultural de Macau, transmiti ao Secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Albino Cleto, a disponibilidade do Governo de Macau em apoiar a ida de religiosos portugueses para a Missão de S José de Singapura e para a paróquia de S. Pedro de Malaca. Nessa altura já se encontravam retirados, por doença e velhice, os últimos padres portugueses enviados pelo Bispo de Macau. Respondeu-me S. E. Reverendíssima - de um modo que me pareceu tocado de algum complexo colonial - que a iniciativa deveria partir do Arcebispo e Bispo respectivos. Sugeri que, ao menos, a Conferência Episcopal Portuguesa os convidasse para as comemorações do Centenário da Missionação e, nessa altura, se abordasse o assunto. Nem o Arcebispo de Singapura, nem o Bispo de Malaca estiveram nessas comemorações.
4. Em Janeiro de 1996, teve lugar em Malaca uma Conferência sobre “O Renascimento do Papiá-Cristão e o Desenvolvimento do Património Malaco-Português”, a que tive a honra de presidir na qualidade de Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e a convite da respectiva Comissão Organizadora. Entre as comunicações apresentadas, abordaram-se temas da maior importância:
- as dificuldades que sobreviriam para os pescadores, representando 30% da Comunidade, em consequência dos planos de desenvolvimento local que previam extensos aterros, afastando o mar para longe das suas casas;
- o estudo, então em curso, para avaliação do número de falantes do Crioulo [Kristang] e das necessidades para o respectivo ensino, por inciativa do Dr. Mário Pinharanda Nunes, então leitor de português em Kuala Lumpur;
- o crescente interesse da população estudantil da Malásia, espelhado em teses versando a influência do Português sobre o Malaio e de docentes universitários daquele país empenhados em trabalhos de investigação sobre o Papiá-Cristão;
- a sumariação dos crioulos existentes no mundo, seus diferentes estatutos, intercâmbio dos seus falantes para troca de experiências, inventário das respectivas necessidades, modos de entreajuda e internacionalização desse património comum espalhado por vários países;
- a complexidade do sistema educativo da Malásia em que coexistem várias línguas e que permite a inclusão de qualquer idioma – incluindo o Papiá-Cristão e o Português padrão – mediante requerimento de quinze pais ou encarregados de educação.
Expressa ou implicitamente os oradores apelaram ao apoio de “Portugal e das Fundações Portuguesas”. Estávamos no início do ano de 1996. Uma das dez conclusões da Conferência consistiu no pedido de avaliação das possibilidades de ligação das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente à Comunidade de Povos de Língua Portuguesa (CPLP). Outra propunha que Portugal viabilizasse a organização de um pavilhão das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente na EXPO 98.
Tudo foi transmitido ao Governo português pelos canais habituais. A primeira resposta recebida enviava o preçário de arrendamento dos pavilhões! Insistiu-se através de nova diligência procurando explicar melhor o sentido e alcance do que se pretendia. A resposta ignorante foi a de que cada Comunidade deveria diligenciar a sua inclusão nas representações dos respectivos países. Assim se encerrou definitivamente o assunto.
Como me referiu o Arcebispo Emérito de Mandalay, na Birmânia, U Than Aung - descendente de portugueses - onde a maioria do clero católico é de origem portuguesa e cuja Comunidade tem as suas origens na cidade de Pegú no ano de 1600, quem nunca recebeu a mais ténue manifestação de solidariedade de Portugal nada tem a esperar daí.
7. As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente, Portugal, a Universidade de S. José, a CPLP
Na verdade, o que poderão as Cristandades Crioulas Lusófonas esperar de Portugal? Reflectindo quanto baste, parece poder concluir-se que:
Não rendem votos aos partidos politicos portugueses, nem remessas de divisas, como as provenientes dos lucrativos emigrantes portugueses no estrangeiro. Consequência: não há espaço num departamento governamental semelhante àquele que os sucessivos governos nunca se esquecem de ter: uma Secretaria de Estado para a Emigração ou dos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, conforme a semântica política mais ao gosto de cada maioria parlamentar. Nem cabem aí.
Não proporcionam negócios, nem representam quota de mercado nas exportações portuguesas. Consequência: não há espaço num departamento governamental semelhante aos que se dedicam à cooperação com a África ou a Europa. Nem cabem aí.
Não proporcionam receitas ao Fisco e à Segurança Social portuguesa, nem a sua força de trabalho está à disposição de empresários portugueses. Consequência: não há espaço em estruturas do tipo Alto Comissariado para as Minorias Étnicas e Imigração. Nem cabem aí.
Na estrutura do Governo e da Administração em Portugal não existe espaço nem atenção para as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente. Porque elas não são lucrativas para os cofres do Estado. Porque o Estado se habituou à vida fácil de, por lei ou por medidas administrativas, sobrecarregar os contribuintes com impostos e taxas que sucessivos desgovernos vão dissipando, em alegre paralisia ante a eurodestruição da economia portuguesa.
Por outro lado, ricas e poderosas instituições privadas de utilidade pública, criadas à custa de muito dinheiro levado do Oriente para Portugal, em condições que não dignificaram o País e que, em princípio, deveriam prestar atenção às Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente - saber onde estão, quantos são, que carências têm e as potencialidades que nelas existem - encaram as poucas de cuja existência vagamente sabem como criaturas interessantes a que, de vez em quando, se dão uns “amendoins” com o afecto próprio do visitante de uma aldeia de macacos num qualquer jardim zoológico.
A Universidade de S. José - herdeira do património espiritual do glorioso Padroado Português do Oriente, ingloriamente desaparecido, que gerou as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente - terá uma palavra a dizer, um tempo para sobre elas reflectir e um espaço institucional para elas, após o encerramento desta Conferência sobre "A Lusofonia entre Encruzilhadas Culturais"?
As Missões Portuguesas nos Estreitos - Malaca e Singapura - deixaram de existir em 1 de Julho de 1981, na sequência dos acordos celebrados entre o Bispo de Macau, D. Arquimínio da Costa, e os Bispos James Soorn Ceong, de Malaka-Johor, e Gregory Yong Soon Nghean, Arcebispo de Singapura, em 26 de Julho de 1977 e ratificados por decreto da Santa Sé, de 27 de Maio de 1981.
A Missão Portuguesa de Malaca, desde a concordata de 23 de Junho de 1886, estava sujeita à dupla jurisdição exercida pelo Bispo de Macau e pelo Bispo de Malaca e incluía as igrejas de S. Pedro e de N. Senhora da Assunção e outras capelas. A Igreja de S. Pedro manteve as suas funções de Igreja paroquial e os seus padres continuaram a servi-las sob a autoridade do Bispo de Malaca, enquanto o Bispo de Macau o permitisse. Morreram os Padres Augusto Sendim e Manuel Pintado, últimos missionários portugueses em Malaca.
A Missão Portuguesa de Singapura compreendia a Igreja Paroquial de S. José que dependia do Bispo de Macau. Enquanto paróquia deixou de existir passando às funções de simples igreja de devoção e os seus padres continuaram a servi-la - padres Francisco António Bata e João Guterres. O sustento e as despesas destes padres continuaram sob a responsabilidade do Bispo de Macau. Os bens - imóveis e móveis - da Igreja de S. José continuaram a pertencer-lhe, sendo administrados pelo respectivo Reitor e sob controlo do Arcebispo de Singapura, enquanto o Bispo de Macau continuasse a enviar missionários. Quando isto deixasse de se verificar, seria realizado um acordo sobre a transferência civil desses bens. As outras propriedades pertencentes à Missão Portuguesa (Comission for the Administraüon of the States of Portuguese Mission in China) não entraram neste Acordo.
A Diocese de Macau foi, portanto, o último reduto do Padroado Português do Oriente. Estará o Senhor Bispo D. José Lai na disposição de convidar os bispos das dioceses onde vivem as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente para uma conferência em que se dê início ao trabalho de unir as pontas desta teia cuja destruição teve início com o corte das relações diplomáticas por iniciativa do Governo liberal português em 1833 e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834?
As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente são comunidades de portugueses excluídos, apesar do seu forte sentimento de pertença a Portugal, da sua fidelidade secular à Religião Católica e do seu património linguístico – o crioulo – a que chamam Portugis .
Ainda assim – ou talvez por isso mesmo - estão excluídas da Lusofonia.
Mas o desconsolo maior – e para terminar - excluídos da Lusofonia somos todos nós. Porque apesar do denominador comum que é a Língua Portuguesa – padrão ou crioula - enquanto estivermos privados da liberdade básica de todas as outras que é o direito de estar e de ir de um lado para o outro – jus manendi, ambulandi eunde ultro citroque - a CPLP pode ser tudo o que quiserem.
Não é de certeza uma Comunidade inclusiva de povos livres de circularem no espaço que se diz pertencerem-lhes.
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