Não basta estar morto…
Jorge Morbey
Corria o ano de 1973, era eu Chefe de Divisão da instituição que, em Portugal, fazia a ligação com as instituições estrangeiras de Segurança Social responsáveis pelo pagamento de abonos de família, assistência médica e medicamentosa, pensões, etc., dos emigrantes portugueses e seus agregados familiares, na Alemanha, Brasil, França, Luxemburgo, etc., cuja estrutura se dividia por quatro Secções onde trabalhavam cerca de trezentos funcionários.
Nunca na vida tive de lidar com os efeitos de tantas menopausas! Das quatro
Secções, três eram chefiadas por
senhoras. Essa percentagem subia a muito mais de 75%, no cômputo geral dos
funcionários da Divisão.
Era então o tempo em que os computadores tinham o tamanho de dinossauros e
a sua instalação requeria o espaço de salões. Não tínhamos telex nem fax. Nem
se sonhava com a net.
Teve início então, o pagamento das prestações sociais previstas no Acordo
de Previdência Social entre o Brasil e Portugal. Eram transferidas através do
Banco do Brasil que recebia do INPS, Instituto Nacional de Previdência Social,
as listagens mensais dos beneficiários e o montante global respectivo.
Do lado de Portugal tivémos de estruturar os ficheiros dos beneficiários do
regime de Previdência do Brasil e a instrução dos processos daqueles que iam
adquirindo, em Portugal, os direitos sociais
assegurados pelo Brasil.
A instrução dos processos exigia os documentos de prova legalmente
previstos na legislação portuguesa de Segurança Social.
À medida que os meses iam avançando no calendário, ia crescendo o número de
processos instruídos para habilitação à pensão de sobrevivência e o número de
viúvas que debalde apareciam para as receber, por não constarem nas listagens.
Ao primeiro sinal de que havia algo a perturbar o normal funcionamento da
engrenagem, na falta de telex ou fax, enviei um telegrama pedindo informações,
pela mesma via, sobre as pensões reclamadas pelas viúvas.
Sem resposta, ao cabo de dez dias, resolvi telefonar para o Brasil. Falei com a responsável, Dra. Marly de
Carvalho que, com todo o açucar do mundo na voz, me disse que os processos
instruídos por nós estavam incompletos. Faltava a Guia de Sepultamento. Ante a minha exclamação afirmativa de que
cada processo continha a certidão de óbito, com a mesma doçura explicou:
- No Brasil não basta estar morto. É preciso estar enterrado...
Esta estórea é dedicada,
especialmente e com todo o respeito, ao Senhor Secretário para a Economia e
Finanças.
E veio-me à lembrança: não pela saída de Macau da lista negra dos paraísos
fiscais; não pelo seu anúncio, feito pelo Conselho Europeu para os Assuntos
Económicos e Financeiros; não pelo agrado do Executivo, nem dos cidadãos de
corpo inteiro da RAEM, a que me honro de
pertencer.
Mas pelo respeito: ao Governo
Central; à População de Macau, à transparência dos métodos de governação, aos
investidores que fazem crescer a economia de Macau.
Emita, Senhor Secretário, uma Prova de Vida
da RAEM!
Se ainda não o fez, mande averiguar, com rigor e independência, de quem foi
a responsabilidade pela vergonha que a RAEM passou. E continua. A lista
cinzenta não nos orgulha também. Doa a quem doer. Não permita que, novamente,
passe a imagem de que se anda à procura de um bode espiatório. E, se for o
caso, não hesite em remeter o caso ao Ministério Público. A separação de poderes é o melhor seguro que a
RAEM tem contra a ilegalidade e o desprestígio.
E entenda, principalmente, que o seu silêncio é de um melindre muito grave.
Que pode ter uma leitura perversa. A de poder querer insinuar que a
responsabilidade não é dos Serviços sob sua tutela, mas do Governo Central,
tendo em conta a responsabilidade sobre as relações externas da RAEM (Art. 13.° da
Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da
China).
Ponto Final de 25Jan2018, p. 3
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