Um aperitivo amargo e um excelente Ta Pin Lou
Jorge Morbey
O Povo viu. Em directo e a cores! Ouviu e arregalou os olhos! O queixo do
Povo quase chegou ao umbigo. De repente, o colectivo deslocamento do globo
ocular dos convidados, numa proptose em ambos os olhos, maxilar inferior
decaído, tudo fazia lembrar um jantar de gente chique, na banda desenhada de
José Vilhena, o humorista da Gaiola Aberta.
- O que é que eli dissi? -
Perguntou Mme. Veronique d’Avignon, mulher do velho engenheiro da
Reolian que aprrendeu português no Brésil. Chegaram a Macau no
passado fim de semana.
- Que o Tribunal não vai fazer nada...
- O quê!? Exclama incrédula,
a mãe de um jovem jurista que chegou a Macau, há pouco mais de um ano.
E prossegue:
- Mas este não é o tal que faz
demonstrações semanais de senilidade
galopante na TDM, com visíveis curto-circuitos nos neurónios, em directo?
- Não, Mamã. Este é o dono. O outro
é ”a voz do dono”, esclareceu o jovem jurista.
- His Master voice, repetiu o inglês quarentão que serviu em Hong
Kong, na administração do Adventist Hospital, até 1997. E vem à China, de dois
em dois anos, para tomar o pulso ao mercado de antiguidades.
- Lui-même! Le propriétaire ...
confirmou, arrastadamente, o engenheiro francês.
- Mas, ouve lá – replicou a mãe do jovem jurista:
E se, em vez de terem tramado a vida do jovem
deputado com ilegalidades graves, como tu também dizes que cometeram, se em vez disso, o tal
deputado que também é advogado lhe tivesse dado um tiro e o matasse? O Tribunal não fazia nada, também?
Mme. Veronique, num aparte
reservado, mas que toda a gente ouviu e provocou um sorriso amarelo geral:
- Diziam que se tinha suicidado... na casa de banho...
- Uma inovação recente que a Criminologia começa a teorizar: “Tertium mortem”. – afirmou o engenheiro
francês, com desenvoltura. Subindo o tom de voz, acrescentou:
- Estive no Seminário, mas desisti. Por cause du Latim... - trocando
um olhar conivente com sua Mulher.
Limpando as cordas vocais, o engenheiro francês pronunciou com voz grave.
Em português e sem sotaque: “Do suicídio de terceiros...” .
- Mas não! - interrompeu o jovem jurista, com timidez. E prosseguiu.
Calmo, mas ainda tímido:
- Isso é um crime de homicídio.
Está regulado na Lei Penal.
- Mas, se o Tribunal não pode fazer nada, como diz o dono do outro, é a Assembleia Legislativa que tem de
julgá-lo? Isso é parecido com a corrupção dos árbitros de futebol, em Portugal.
– protesta a mãe do jovem jurista.
- Não, mamã! Se o homicídio for cometido em flagrante delito, o deputado
pode ser detido imediatamente, sem autorização da Assembleia Legislativa. Está
no próprio Estatuto dos Deputados. Eles levantariam a imunidade e suspenderiam
o homicida para ele ser julgado. Nos casos de crime, há lei que expressamente
regula.
- E se estiverem os dois sozinhos na casa de banho? - Pergunta, com ansiedade, Mme. Veronique
d’Avignon.
- Ora – intervem a mãe do jovem jurista – isso dava muito nas
vistas. Levar dali o cadáver para o atirar da Ponte, a imitar um
suícidio... Bem, eu já não digo nada...
- Oh mamã!
-
“Tertium mortem” – diz o engenheiro francês, encolhendo os
ombros.
- “Mas, se por absurdo –
interroga o anfitrião – se, num conluio entre os deputados nomeados e os
deputados eleitos indirectamente, fosse vedada a possibilidade de votar aos
deputados eleitos por sufrágio directo? Ou se fosse declarada a aprovação de
uma lei, por dois votos contra trinta e um? Estas leis seriam válidas? O
Tribunal não ia fazer nada?
- Em situações dessas, o Tribunal não pode tomar a iniciativa de
fiscalizar actos cometidos no quadro da
actividade legislativa da Assembleia Legislativa, ainda que ilegais. Porque
essa é a natureza política contemplada na Lei de Bases da Organização
Judiciária (art. 19.° - n.°1) Actos
praticados no exercício da função política,
que exclui os Tribunais da sua apreciação.
Porque aos Tribunais está vedada a iniciativa de
decidir algo que não lhes seja pedido, para a preservação da Separação de
Poderes, prevenindo abusos de poder por iniciativa do Poder Judicial. Quem joga
não pode ser árbitro. Quem é árbitro não joga. Tudo isto foi concebido para a
Independência dos Tribunais, na Separação de Poderes em que assenta o Estado de
Direito. Ninguém manda sozinho. Ninguém é impune. A Lei é igual para todos.
A questão básica, de todas as outras, chama-se
Estado de Direito. No Estado de Direito – prossegue o jovem jurista, com entusiamo - ninguém
está acima da Lei. O Poder Legislativo,o Poder Executivo e o Poder Judicial
cooperam fiscalizando-se no cumprimento da legalidade dos actos praticados
por todos. Ë o princípio da Separação de
Poderes.
Ninguém está acima da Lei. Quem faz a Lei, está
obrigado a cumprir a Lei.
A Lei é geral e abstracta, exactamente para ser aplicada a todos de
forma igual.
Quem faz a Lei está obrigado a cumpri-la..
Uma coisa são decisões que exprimem opções políticas
para a vida da comunidade – Política – na acepção mais abrangente do termo,
acolhida na Lei de Bases da Cooperação Judiciária.
Outra coisa, são decisões ou deliberações que
estão reguladas pela Lei e que são violadas, mesmo e principalmente, pela Assembleia
Legislativa. Isso já não é Política. É Ilegalidade. O Poder Legislativo não
pode cometer ilegalidades. Se as cometer está sujeito à fiscalização do Poder
Judicial. Que não pode agir por iniciativa própria. Mas não pode negar
provimento ao pedido de apreciação feito por qualquer cidadão, no pleno uso dos
seus direitos, liberdades e garantias.
Deputado, contínuo
ou empregada de limpeza da Assembleia Legislativa ou de qualquer
entidade pública ou privada.
Neste caso, da suspensão do mandato do Deputado
Sulu Sou Ka Hou, porque é que o Poder Judicial estaria impedido de apreciar as
irregularidades cometidas pela Assembleia Legislativa, pelo Plenário, pela Mesa
e pelo Presidente? Se os próprios actos do
Poder Executivo estão sujeitos à supervisão dos Tribunais?
A violação da Lei, de um modo que não permita a
sua fiscalização, por um órgão independente e previamente criado por Lei, para
conhecer das violações da Lei, não existe no Estado de Direito. Nem existe ao
abrigo da Lei Básica da RAEM. A existir, isso seria um potente gerador da
impunidade e uma auto-estrada cómoda para o abuso do poder e para a morte e
enterramento ou incineração do Estado de Direito.
É urgente resgatar a população de Macau do medo
que a assola e da impunidade que a assusta e a afasta de uma vida cívica
saudável, pela gradual perda de confiança nas instituições da RAEM,
nomeadamente dos Tribunais que a “Vox Populi” desalentada vai ensimesmando que
eles existem para proteger os ricos e os
poderosos.
É preciso devolver à população de Macau a
confiança nos Tribunais.
A ditadura da maioria que aconteceu no processo de
suspensão do mandato do Deputado Sulu Sou Ka Hou, fundou-se na convicção
generalizada do Plenário, da Mesa e do Presidente de se encontrarem acima da Lei. No Estado de Direito, em
que assentou a construção do Segundo Sistema, ninguém está acima da Lei.
Uma salva de palmas coroou o discurso do jovem jurista, ante o olhar
orgulhoso e doce de sua mãe.
- Vamos ao Ta Pin Lou. – e, acrescentou o anfitrião: Que
aperitivo amargo... este com que
o Jorge Silva nos brindou...
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