Poder Legislativo e Poder Judicial na Lei Básica da RAEM
Jorge Morbey *
Uma iniciativa legislativa dos Srs. Deputados VONG HIN FAI e KOU HOI IN, segundo noticia a comunicação social, visa impedir que as deliberações do plenário da Assembleia Legislativa, sobre a suspensão ou a perda de mandato dos deputados, serão definitivas e, em consequência, vedadas à apreciação dos Tribunais.
Segundo as fontes citadas pela
comunicação social, o fundamento desta iniciativa legislativa reside na
circunstância de a suspensão e perda de
mandato ”são actos livres de
interferência de qualquer outro órgão ou indvíduo, de modo a evitar que seja
posto em causa o normal funcionamento da estrutura política definida na Lei
Básica”.
Lendo e relendo a Lei Básica da RAEM, não se consegue vislumbrar qualquer
ameaça ao normal funcionamento da
estrutura política nela definida, pelo
facto de um cidadão, ao abrigo dos direitos e deveres fundamentais dos
residentes, consagrados na mesma Lei Básica (artigos 24.° a 44.°) pedir
ao Tribunal a apreciação de uma
deliberação de suspensão de mandato de deputado.
Ainda por cima, havendo a convicção fundamentada de que tal suspensão foi deliberada com
ofensa grave ao ordenamento jurídico da
RAEM (de que a Lei Básica é a cúpula do Sistema Legal, contra a qual nenhum
instrumento ou iniciativa legal pode dispôr) e o manifesto atropelo do
Regimento da Assembleia Legislativa e do
Estatuto dos Deputados.
E mais: que toda a confusão
nasceu de um erro jurídico e político
grosseiro da Comissão de Regimento e Mandatos, em consequência do lamentável aconselhamento que lhe terá dado o deputado, advogado(!) e,
creio, vice-presidente da mesma
Comissão, VONG HIN FAI, de não se dever
emitir parecer.
A urgência e prioridade com que foi tratada pelos proponentes, pela Mesa e
pelo Presidente da Assembleia Legislativa,
a iniciativa legislativa vai ao plenário na próxima terça-feira, 16 de
Janeiro, dia em que está marcado o julgamento do deputado suspenso. Fica-se com
a sensação de que a pressa e o nervosismo de tudo isto se destina a encobrir a soma de erros, processuais e
políticos, cometidos no processo de suspensão do Deputado Sulu Sou Ka Hou.
Mas o pior de tudo isto é o ridículo a que se expõe a Assembleia
Legislativa e os seus deputados, se esta iniciativa legislativa for aprovada,
com efeitos retroactivos a 20 de Dezembro de 1999!
A Lei de Bases da Organização Judiciária da RAEM, aprovada pela Assembleia
Legislativa, em 20 de Dezembro de 1999, exclui de apreciação pelos tribunais os actos praticados no exercício da função
política e responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício, quer este
revista a forma de actos quer a de omissões (Artigo 19.°- 1).
É possível que ninguém saiba disto na Assembleia Legislativa?
Quem tem amigos destes, como advogados, não precisa de inimigos...
O nervosismo que por aí vai, até que se saiba a quem são imputáveis, por
negligência, os efeitos da catástrofe que se abateu sobre Macau, em Agosto
passado...
*Presidente do Instituto Cultural de Macau (1985/89), Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Pequim (1990/95), em Bangkok (1995/99) e docente na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (2006/17).
Jornal Ponto Final, 16.Jan.2018
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