Saturday, 12 June 2021

Poder Legislativo e Poder Judicial na Lei Básica da RAEM

Jorge Morbey *

 Uma iniciativa legislativa dos Srs. Deputados VONG HIN FAI e KOU HOI IN, segundo noticia a comunicação social, visa impedir que as deliberações do plenário da Assembleia Legislativa,  sobre a suspensão ou a perda de mandato dos deputados,  serão definitivas e, em consequência,  vedadas à apreciação dos Tribunais.

Segundo as  fontes citadas pela comunicação social, o fundamento desta iniciativa legislativa reside na circunstância de  a suspensão e perda de mandato  ”são actos livres de interferência de qualquer outro órgão ou indvíduo, de modo a evitar que seja posto em causa o normal funcionamento da estrutura política definida na Lei Básica”.

Lendo e relendo a Lei Básica da RAEM, não se consegue vislumbrar qualquer ameaça ao normal funcionamento  da estrutura política nela definida,  pelo facto de um cidadão, ao abrigo dos direitos e deveres fundamentais dos residentes, consagrados na mesma Lei Básica (artigos 24.° a  44.°)  pedir ao Tribunal a apreciação de  uma deliberação de suspensão de mandato de deputado.

Ainda por cima, havendo a convicção fundamentada  de que tal suspensão foi deliberada com ofensa  grave ao ordenamento jurídico da RAEM (de que a Lei Básica é a cúpula do Sistema Legal, contra a qual nenhum instrumento ou iniciativa legal pode dispôr) e o manifesto atropelo do Regimento da Assembleia Legislativa  e do Estatuto dos Deputados.

E mais:  que toda a confusão nasceu  de um erro jurídico e político grosseiro da Comissão de Regimento e Mandatos, em consequência  do lamentável aconselhamento  que lhe terá dado o deputado, advogado(!) e, creio, vice-presidente  da mesma Comissão, VONG HIN FAI,  de não se dever emitir parecer.

A urgência e prioridade com que foi tratada pelos proponentes, pela Mesa e pelo Presidente da Assembleia Legislativa,  a iniciativa legislativa vai ao plenário na próxima terça-feira, 16 de Janeiro, dia em que está marcado o julgamento do deputado suspenso. Fica-se com a sensação de que a pressa e o nervosismo de tudo isto se destina  a encobrir a soma de erros, processuais e políticos, cometidos no processo de suspensão do Deputado Sulu Sou Ka Hou.

Mas o pior de tudo isto é o ridículo a que se expõe a Assembleia Legislativa e os seus deputados, se esta iniciativa legislativa for aprovada, com efeitos retroactivos a 20 de Dezembro de 1999!

A Lei de Bases da Organização Judiciária da RAEM, aprovada pela Assembleia Legislativa, em 20 de Dezembro de 1999, exclui de apreciação pelos tribunais os actos praticados no exercício da função política e responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício, quer este revista a forma de actos quer a de omissões (Artigo 19.°- 1).

É possível que ninguém saiba disto na Assembleia Legislativa?

Quem tem amigos destes, como advogados, não precisa de inimigos...

O nervosismo que por aí vai, até que se saiba a quem são imputáveis, por negligência, os efeitos da catástrofe que se abateu sobre Macau, em Agosto passado...

 

*Presidente do Instituto Cultural de Macau (1985/89), Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal em Pequim (1990/95), em Bangkok (1995/99) e docente na Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (2006/17).

Jornal Ponto Final, 16.Jan.2018 

  

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