No 35º. Aniversário do Jornal Tribuna de Macau : colaboração pedida pela jornalista Liane Ferreira e censurada em reunião do Administrador José Rocha Diniz com o Director Sérgio Terra.
I. Jornalista Liane Ferreira: Como vê estes 35 anos do JORNAL TRIBUNA DE MACAU, o seu papel em Macau,
desenvolvimento e significado.
II. A opinião de Jorge Morbey:
Na passagem do 35º Aniversário do JORNAL
TRIBUNA DE MACAU
1.
A Informação
em Macau
Não sendo especialista em Comunicação Social mas assumido analfabeto
funcional em chinês, o meu primeiro encontro com a imprensa escrita de Macau
teve início há mais de 50 anos. No Verão de 1965. Em chinês!
O Jornal Ou Mun inseriu o relato
duma ocorrência num pequeno hotel onde eu estava hospedado e se chamava Vila Rainbow, na rua de Ferreira do
Amaral, à frente do Jardim de Vasco da
Gama: a debandada, a que eu assisti, a meio da noite, dum grupo de turistas
chineses de Hong Kong, pelo alegado aparecimento de um fantasma, sem cabeça, no quarto ocupado por um dos casais do grupo.
A propósito de coisas estranhas em Macau, nesse mesmo ano, assisti a
algumas audiências de julgamento de uma
burla: a venda da Fortaleza do Monte!
Nesse tempo, se a memória não me atraiçoa, existiam em português: o Notícias de Macau, fundado em 1945 e dirigido pelo Dr. Adelino Barbosa da
Conceição, desde 1962; a Gazeta Macaense,
semanário, fundado em 1963 por Leonel Borralho, seu proprietário e administrador,
de que foi primeiro Director o Dr. Damião Rodrigues, passou a bi-semanário e a
diário, dirigido pelo seu proprietário, e desapareceu em 1993, na sequência de um negócio em que,
dizia-se, a Administração de Macau pagou pelo seu desaparecimento; O Clarim, semanário católico, fundado em
1948 e dirigido então pelo Pe. Artur Augusto Neves.
É interessante lembrar que foi nesse mesmo ano de 1965 que o Jornal Notícias de Macau publicou A
Imprensa Periódica Portuguesa no Extremo-Oriente, de autoria do Pe. Manuel
Teixeira, inserido na colecção com o mesmo nome: Notícias
de Macau. Trata-se de uma obra
importante porque, além da imprensa de língua portuguesa em Macau, regista a
que existiu até então: em Hong Kong, Cantão, Xangai, Singapura, Malaca, Japão
(Kobe), Timor e Hawai.
Nesse mesmo ano de 1965, ainda, foi editado o livro intitulado Primórdios da imprensa em Macau, de José
Maria Braga, pelo Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau.
Dedico estas referências, especialmente, aos que escrevem nos jornais, aos que
ouvimos na rádio e aos que falam na televisão. Em português e em Macau.
No tempo da Administração Portuguesa, desembarcavam em Macau, chegados de
Portugal, uns sujeitos que vinham com uma estafa de anos, a ir para os empregos
em transportes colectivos. Deslumbravam-se com Macau. Com o carro preto e o
motorista fardado que Macau reservava aos secretários-adjuntos do governador e
aos cargos de direcção e chefia que eles vinham ocupar e os enfunavam como as
velas das caravelas e das naus dos descobridores que deram novos mundos ao mundo. Sentiam-se tão cheios desses ventos de
feição, tão cheios deles mesmos, que se convenciam da sua transfiguração em
verdadeiros - eles sim! - verdadeiros descobridores de tudo o que de mau havia
em Macau - e mais! - detentores de uma copiosa sabedoria para conduzir Macau
aos píncaros do Universo.
Os “génios” que eu conheci em Macau extinguiram-se com o fim da
Administração portuguesa. Mas parece estarem a renascer entre alguns
jornalistas, analistas e comentadores de língua portuguesa que se destacam, menos
pela ciência que transmitem, e mais por uma postura arrogante de catedráticos
que as universidades não souberam aproveitar.
Em Macau tudo é diferente, tudo é desconhecido, para quem chega de
Portugal. Mas alguns recém chegados, mal conseguem distinguir a diferença entre
m’coi e toché, fazem lembrar criancinhas
de tenra idade quando aprendem a apertar os atacadores dos sapatos. Sentem-se
senhores do mundo e pisam o chão. Com força e com pressa.
Em regra, lêem pouco. E não estudam. Não têm tempo para estudar Macau. A sua informação
sobre Macau tem um marco histórico. O dia em que chegaram cá. Não querem saber
de Macau: no Neolítico; no ensanguentado período de transição, da dinastia Yuan
para a dinastia Ming; no século XVI em que, logo na primeira década, os
portugueses quiseram saber da China e
dos chineses; em 1844, quando Macau foi formalmente integrado no sistema
colonial português, para escapar ao apetite de potências europeias; etc.
Eu tenho um registo pessoal comprovativo do que afirmo, sobre a informação deficiente
que os portugueses têm sobre Macau, mesmo
os “residentes permanentes”, e sobre o marco histórico iniciático do seu
conhecimento sobre Macau.
Em 2013, fez-se o lançamento da edição chinesa de um livro sobre a
transferência do exercício da soberania de Macau, de Portugal para a China, de
autoria do saudoso Dr. Francisco Gonçalves Pereira, na residência do Cônsul de
Portugal, em que estive presente, homenageando a sua memória. A edição
portuguesa desse livro, PORTUGAL A CHINA
E A “QUESTÃO DE MACAU” é de Setembro de 1995, embora reúna escritos do
mesmo autor publicados em 1991, 1992 e 1994, em publicações diversas.
No domingo seguinte, no programa Contraponto, difundido pela TDM, os quatro
jornalistas - analistas -comentadores, todos
com ar sério e sabedor, referiram-se ao mesmo livro como sendo o primeiro que
tratou o tema da transferência do exercício da soberania sobre Macau.
Sendo todos meus conhecidos/amigos, pelo menos desde 2003, data em que
regressei a Macau, após quatro anos de ausência, enviei-lhes o email que
transcrevo a seguir, datado de 16.12.2013:
Queridos Amigos, Como sempre, vi
ontem o programa Contraponto da TDM. Pelas vossas intervenções, fiquei com a
convicção de que não conhecem o livro "MACAU
1999 - O desafio da transição",
editado em Lisboa, em Março de 1990, de que é autor este vosso amigo. Há dias,
por acaso, em conversa com o (X), fiquei a saber que ele desconhecia o livro. Como
não quero que vos falte nada, segue o link do meu blog
http://jorgemorbey.blogspot.com/ onde o
referido livro está arquivado e pode ser lido, assim como alguns ecos na
imprensa de Macau, designadamente n' O Clarim e no Comércio de Macau. Por mera curiosidade: João Santos, que assina
um dos comentários no Clarim, era nesse tempo professor na Faculdade de Direito
da Universidade de Macau e é hoje Presidente da República de Cabo Verde. Um
abração. Jorge Morbey.
Já não me lembro bem. Mas acho que três me responderam: Mas eu ainda não estava em Macau...
É óbvio que não importa saber se um livro saiu antes ou depois de outro, ou
vice-versa. O mais importante desta história é a falta de estudo que essa
confusão revelou. Desculpável à generalidade dos portugueses, dados os nossos
brandos costumes. Mas imperdoável nos que se assumem como opinion makers das nossas
comunidades de língua portuguesa em Macau.
2.
Da Abelha
da China à Tribuna de Macau e ao
Jornal
Tribuna de Macau
Os pasquins podem ser considerados como a primeira geração da imprensa
privada de Macau. Escritos anónimos, de conteúdo satírico e muitas vezes
difamatório, visavam as autoridades, os interesses instalados ou pessoas
determinadas.
Ainda hoje a sua leitura tem interesse histórico adjuvante dos Arquivos Paroquiais da Diocese de Macau,
para ajudar a compreender, entre outros assuntos, a entrada tardia da mulher
chinesa na sociedade macaense. Não porque os portugueses, sinónimo de cristãos,
no Oriente, não gostassem dela. Mas pela desqualificação social a que era
submetida, no seu próprio meio social chinês, se se ligasse a homem estrangeiro.
O primeiro livro impresso em Macau com caracteres tipográficos móveis: Christiani Pueri Institutio (1588), de
autoria de João Bonifácio, foi reeditado pelo Instituto Cultural de Macau, a
que eu presidia, em 1988, para assinalar o seu quarto centenário.
Duzentos e trinta e quatro anos se passaram, sobre a edição daquele livro
pioneiro, escrito em latim, para Macau ter o seu primeiro jornal: ABELHA DA CHINA (1822-23). Semanário.
Saía às quintas-feiras. Filiada ideologicamente na Revolução Liberal, a ABELHA DA CHINA construiu o molde que a
definiu e veio a enformar praticamente todos os jornais que existiram em Macau,
até aos nossos dias: luta política na defesa de interesses de grupo ou de partido
e fidelidade a Portugal.
A Administração Almeida Costa
(1981-86) foi a terceira nomeada após a Revolução do 25 de Abril de 1974 pelo
general Eanes, Presidente da República, que conhecera Macau nos anos sessenta,
durante uma comissão militar. Já acontecera o mesmo com a anterior, a Administração
Melo Egídio.
Os ecos do 25 de Abril não
chegaram a Macau em directo. Souberam-se
em diferido. As comunicações não eram
o que são hoje.
No dia 29 de Abril um
conjunto de cidadãos promoveu uma reunião cívica no Teatro D. Pedro V em que,
para além de civis, participaram quase todos os militares que se encontravam em
comissão de serviço no Território e durante a qual se saudou vivamente o
triunfo da revolução e as Forças Armadas. No dia imediato, trinta e oito
democratas reuniram-se no Restaurante Fat Siu Lau. Aí nasceu o Centro
Democrático de Macau (CDM). Nos dias que se seguiram, aumentou
significativamente o número de aderentes à revolução, à liberdade e à democracia.
Cerca de um mês mais tarde
constitui-se a Associação para a defesa dos interesses de Macau (ADIM). De
índole conservadora, apresentava-se com o propósito visível de contribuir o
mais que pudesse para a manutenção do ‘status quo ante’, temendo que as
alterações políticas em Portugal pudessem pôr em causa a situação dos
portugueses em Macau, desvinculando o Território da soberania portuguesa.
/.../. Com origem em ambos os lados, surgiam notícias de escândalos, acusações
de corrupção, pedidos de sindicância; os ‘progressistas’ pintavam as paredes da
cidade com os seus slogans de combate revolucionário para, logo de seguida, os
‘conservadores’ as limparem, no intuito de procurar preservar uma imagem da
antiga normalidade. (MORBEY:
Macau 1999: 58).
Foi este o ambiente que fez nascer A Tribuna de Macau, afecta à CDM e
aos interesses do advogado Joaquim Jorge Neto Valente, que paga a factura
correspondente; e o Jornal de Macau, afecto à ADIM e aos interesses do advogado Carlos
Assumpção, indiscutível líder da Comunidade Macaense, que paga a respectiva
factura.
O casamento dos dois jornais
celebrou-se em 1998. A Tribuna ficou
“ensandwichada” pelo Jornal de Macau
que morreu logo a seguir às bodas. Diz-se que o enlace foi patrocinado pelo
último governador de Macau, tendo em conta o interesse nacional, obviamente. Com
um rico dote.
3. José Rocha Dinis
O filme do ano em 1966 foi A Man for
All Seasons, dirigido por Fred Zinnemann, com base na obra de Robert Bolt. Nele
se conta a história de Thomas More que enfrentou Henrique VIII, quando o rei de
Inglaterra rejeitou a Igreja Católica Romana que lhe recusou o divórcio e novo
casamento.
No tempo em que o filme foi exibido em Portugal, os jornais continham
sempre um cartaz dos espectáculos em
que, no caso de Lisboa, apareciam no mesmo anúncio duas salas de Cinema que
exibiam sempre o mesmo filme. Do interior dos meios oposicionistas ao Estado
Novo nasceu logo uma anedota:
S. Luís e Alvalade: Um Homem
para a Eternidade. S. Bento: o mesmo programa.
Para quem não achar graça, esclareço: a actual residência oficial dos
primeiros-ministros em Portugal, o Palácio de S. Bento, era habitada nesse tempo
por António de Oliveira Salazar que em 1966 completou 38 anos a governar
Portugal.
Vem esta piada a propósito do aniversário da Tribuna ou, mais propriamente, do Dr. José Rocha Diniz que completa
apenas 35 anos à frente do seu jornal. É obra!
Umas vezes, como colaborador esporádico da Tribuna. Outras vezes como alvo
a abater na luta que a Tribuna travava contra o Almeidismo, em especial durante o tempo em que desempenhei as
funções de Presidente do Instituto Cultural de Macau (1985/89), o meu nome foi
dos mais maltratados e ofendidos nas páginas da Tribuna.
Como no teatro, na vida é preciso preservar a dignidade. Mesmo sofrendo
calúnias e injúrias. E saber sair de cena.
Conclusões e votos
O Jornal de Macau desapareceu e
repousa no esquecimento.
Paz à alma do Dr. Carlos Assumpção.
Parabéns ao Jornal Tribuna de Macau
Parabéns, Dr. José Rocha Diniz.
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